sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O Brasil necessita de redes de ensino fundamental eficientes, não de ilhas de excelência






Há décadas governos estaduais, municipais e federal se vangloriam de suas escolas-modelo, unidades que recebem toda a atenção da administração de plantão e que, por isso, se destacam dos demais colégios públicos pela excelência. Os governantes deveriam, na verdade, se envergonhar da situação, afirma o educador João Batista Araujo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto, ONG dedicada à educação. O argumento do especialista é simples: “As escolas-modelo são exceções. A regra, como sabemos, são as demais escolas do Brasil”. Para incentivar governos a corrigir a distorção, Oliveira criou, em parceria com a Gávea Investimentos e a Fundação Lemann, o Prêmio Prefeito Nota 10, que vai dar 200.000 reais a administradores municipais cuja rede de ensino fundamental obtiver a melhor avaliação na Prova Brasil, exame federal que mede a qualidade do ensino público no ciclo básico. Escola-modelo, portanto, não conta. “Não adianta o prefeito falar que tem duas escolas excepcionais, se as demais não acompanham esse nível. Queremos premiar o conjunto.” Confira a seguir a entrevista que ele concedeu a VEJA.

O MEC divulgou nesta semana os resultados da Prova Brasil, que mostra o nível de aprendizado das crianças no ciclo fundamental das escolas públicas. Como o senhor avalia os resultados?

Eles foram divulgados com grande fanfarra, mas não há nenhuma justificativa para isso. Se você analisa a questão no tempo, percebe que existe estagnação. Há um ponto fora da curva, os resultados divulgados em 2010. Mas eles não foram corroborados neste novo exame, e já esperávamos isso. Estamos onde estávamos em 1995. Há uma melhora bem pequena nos anos iniciais da escola, e pouquíssima variação nas séries finais e no ensino médio. Os gastos em educação aumentaram -- e muito -- e foram criados muitos programas, mas isso não tem consistência suficiente para melhorar a qualidade do ensino. Então, temos duas hipóteses para a estagnação: ou os programas criados são bons mas não foram bem executados, ou são desnecessários e não trouxeram benefício algum.

Especialistas, entre os quais o senhor, pregam que uma reforma educacional eficaz se faz com receitas consagradas -- ou seja, sem invencionices. Quais são os ingredientes para o avanço?

O primeiro é uma política para atrair pessoas de bom nível ao magistério. Desde a década de 60 há um rebaixamento do nível do pessoal, e a qualidade do ensino depende essencialmente do professor. O segundo ingrediente é a gestão do sistema. Uma boa gestão produz equidade: todas as escolas de uma mesma rede funcionam segundo o mesmo padrão. Hoje, unidades de uma mesma rede, estadual ou municipal, apresentam desempenhos díspares. O terceiro é a existência de um programa de ensino estruturado, que falta ao Brasil. As escolas têm um punhado de papéis reunidos sob o nome de “proposta político-pedagógica”, seja lá o que isso queira dizer: começa com uma frase do Paulo Freire e termina citando Rubem Alves. Os governos de todos os níveis abriram mão de manter uma proposta de ensino, detalhando o que os alunos devem aprender em cada série. O quarto ingrediente é um sistema de avaliação que possa medir a evolução do aprendizado. Para isso, porém, é preciso ter um programa de ensino: afinal, se você não sabe o que ensinar, como vai saber o que avaliar? De posse de bons profissionais, gestão, programa de ensino e métodos de avaliação, acrescenta-se o último ingrediente, um sistema de premiação e punição. Algumas redes começam a pensar em um sistema de premiação, mas não adianta só dar incentivo. É preciso premiar quem faz direito e punir quem não faz. Hoje, o único punido no sistema de ensino brasileiro é o aluno reprovado. Isso é covardia. Nada acontece com professor, diretor, secretário de Educação, prefeito ou governador quando eles falham. 

Em meio a tantos desacertos, há municípios fazendo a lição de casa em matéria de educação?

Sim, mas os exemplos são poucos. Sobral, no Ceará, é um deles, além de algumas dezenas de cidades em São Paulo e em Minas Gerais. Elas seguem a receita de estruturar o ensino, de cuidar de questões que realmente fazem a diferença. Mas ainda estamos falando das primeiras séries do ensino fundamental. Ou seja, estamos aprendendo a fazer escola primária.

O senhor organiza um prêmio que será entregue a administrações municipais que mostrarem o melhor desempenho em educação. Como ele vai funcionar?

A ideia é premiar o prefeito das cidades que apresentarem uma rede de qualidade, ou seja, um conjunto em que todas as escolas atinjam um patamar satisfatório de ensino. Não adianta o prefeito falar que tem duas escolas-modelo, excepcionais, se as demais não acompanham esse nível. Queremos premiar o conjunto.

Qual o problema das escolas-modelo?
O problema é que elas não são modelo de nada. Em sua excelência, elas são exceções. O prêmio parte da premissa de que uma andorinha sozinha não faz verão. Por meio da Prova Brasil, constatamos que existem algumas escolas  boas espalhadas pelo país, mas, sozinhas, elas não vão mudar o jogo.

Precisamos de uma rede que funcione. Quando analisamos avaliações de outras nações, percebemos que escolas de uma mesma rede têm um desempenho muito similar. Isso é democracia, isso é cidadania: você pode matricular seu filho em qualquer escola, pois todas oferecem o mesmo nível de ensino.

Por que é tão difícil levar a qualidade das escolas-modelo para toda a rede de ensino?
Porque no Brasil o que importa é acessório. O legal é colocar xadrez na escola, é ensinar teatro. O brasileiro vai à Finlândia e acha que o sucesso da educação daquele país se deve ao fato de que as paredes das escolas são pintadas de rosa. Na volta ao Brasil, ele quer pintar todas as escolas daquela cor. Depois, ele vai à França, onde vê um livro que julga importante e decide introduzi-lo nas escolas daqui... Em vez de olharmos o que os sistemas de ensino daqueles países têm em comum, olhamos exatamente para o que há de diferente neles, como se isso fosse a bala de prata da educação. Por isso gestão é tão importante: é preciso focar o DNA da escola e deixar de lado o que é periférico. O problema é que as escolas e as secretarias de Educação estão povoadas de pedagogos, e não de gestores. Não conheço uma Secretaria de Educação no Brasil que tenha um especialista em demografia, que saiba quantas crianças vão nascer nos próximos anos e, portanto, quantas escolas precisam ser abertas ou fechadas.


Leia a entrevista completa na página da Veja: aqui

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